O período colonial foi a era dos viajantes. A descoberta de um novo mundo foi contemporânea da renovação intelectual que ocorria em uma Europa renascentista, reformista e atravessada por conflitos religiosos. Com a fama de uma cidade paradisíaca e a perspectiva utópica de um “paraíso na terra”, o Rio foi visitado por dezenas de narradores estrangeiros, que ressaltaram tanto suas belezas quanto suas desigualdades. Esse interesse era motivado também pelo aspecto exótico que os estrangeiros davam ao nosso território.
Já no século XVI, os relatos de jesuítas que vinham com a Companhia de Jesus para colaborarem com o processo de catequização da Coroa Portuguesa forneciam as primeiras impressões sobre o espaço de natureza exuberante. Franceses católicos e protestantes, que participaram das campanhas na luta contra portugueses ao redor da baía de Guanabara, também registraram as características – sempre superlativas – da paisagem carioca.
José de Anchieta, André Thévin e Jean de Léry foram alguns dos primeiros a darem notícias em estilo literário sobre a cidade. Destacavam na mesma medida as águas e o clima aprazível da região, sua paisagem plena de morros e florestas e os perigos, tanto naturais quanto por parte da população local, e sua oscilação entre acolher e guerrear contra os invasores portugueses e franceses.
Apesar de o governo português ser cada vez mais hostil à presença de estrangeiros na colônia, durante o século XVIII, mediante a forte aproximação comercial e geopolítica entre Portugal e Inglaterra, tivemos uma leva de viajantes ingleses que aportaram na cidade carioca e descreveram alguns de seus aspectos.
Aeneas Anderson fez como seus predecessores, abrindo seu relato de 1795 com adjetivos sobre sua vista: encantadora, majestosa, uma “visão de elegância, riqueza e beleza”. Contrariando a ideia do português “semeador”, nos dizeres de Sérgio Buarque de Holanda ao se referir à urbanização caótica do Rio, Anderson dizia que suas ruas centrais eram “regulares e uniformes, cruzando-se em ângulos retos”. Elogiava ainda o comércio ativo da cidade naquela altura e, supreendentemente, se referia ao aspecto notável de sua limpeza.
Joseph Banks também destacou a exuberância da fauna e da flora da cidade e ofereceu visão menos simpática sobre o Rio. Assim descreveu sua população em 1768: “são portugueses, negros, índios, aborígenes da região” e destacou a maioria de escravizados (17 para cada branco).
John Barrow, o mais minucioso dos ingleses nos relatos sobre a cidade, aportou no Rio em 1792 e fez descrições literariamente fartas sobre a entrada da baía de Guanabara e os demais aspectos dos cariocas. Sobre a ocupação do local, ele reconheceu um mérito na colonização portuguesa: “Se os portugueses do Rio fizeram pouco no sentido de aproveitar a natureza, têm ao menos direito nulo ao mérito de não tê-la desfigurado muito”. Barrow também já destacava a desigualdade social e a violência da cidade, ao ressaltar que o governo local colocava guardas acompanhando os estrangeiros para “protegê-los dos roubos e dos insultos promovidos pelos negros ou vagabundos que poderiam estar à espreita”.
Ainda durante o período o colonial, um dos textos mais importantes que mostra o dia a dia do Rio de Janeiro é da também pintora, desenhista e escritora inglesa Maria Graham, que viajou pela cidade e o país, nos primeiros anos da década de 1820. Graham, que também se deslumbrou com uma cidade descrita como “a cena mais encantadora que a imaginação pode conceber”, testemunhou as transformações urbanas desencadeadas pela presença da corte portuguesa. Habitando em uma casa no Catete, ela descreveu hábitos da cidade em relação à alimentação e lazer e trouxe inúmeros eventos, como touradas em São Cristóvão, lavadeiras do rio Carioca em Laranjeiras, caminhadas pela lagoa Rodrigo de Freitas e Jardim Botânico, óperas no Real Teatro de São João (cujo local hoje é ocupado pelo Teatro João Caetano), bailes e jantares em casas de particulares, visitas ao outeiro da Glória, interações com os escravizados urbanos que faziam comércio nas ruas. Graham definiu o Rio como “uma cidade mais europeia do que Bahia ou Pernambuco” e, ao mesmo tempo, não poupou expressões de horror em uma visita ao Cais do Valongo.
Outra autora estrangeira que descreveu em pormenores o cotidiano carioca foi a francesa Adèle Toussaint-Samsom, que viveu na cidade por doze anos, entre as décadas de 1850 e 1870. Escritora, formada em uma família de artistas, casou-se com o dançarino francês de origem brasileira Jules Toussaint, que chegou a ser professor de dança da família imperial. Seu relato foi publicado em trechos no Figaro, na França e no carioquíssimo Jornal do Comércio, e saiu em livro durante 1891. Nas páginas dessas memórias, Adèle se recusou a estereotipar a cidade à moda dos relatos exóticos de viagem e forneceu um retrato apurado do cotidiano carioca de então. Sua narrativa passa por uma sóbria descrição da natureza e das suas já famosas montanhas e dos mercados populares no centro – com um espetáculo de frutas e legumes, em meio a “papagaios de todo tipo, de tatus, de macacos, de saguis, de peruas e de pássaros de todas as plumagens”. Fez loas ao clima francês da rua do Ouvidor, atravessou a epidemia de febre amarela de 1849, descreveu de forma minuciosa – e racista – as escravizadas de ganho chamadas de “negras de Mina” – cujo tom preconceituoso de sua descrição não deixou de apontar os absurdos do dia a dia da escravidão e sua revolta com a situação local.
Dona de um estilo que a colocava próximo do período (e do gênero) romântico que vivia, após uma longa jornada iniciada às três da manhã ao Corcovado, Adèle resumiu assim o que viu ao fim do passeio: “Eu pudera imaginar um pouco a esplêndida vista que me esperava em tal altura, mas não pudera pressentir a emoção profunda que sentiria à visão de uma natureza saindo virgem das mãos de Deus”.
Se a maioria dos relatos de viajantes sobre o Rio não constituíram necessariamente uma literatura sobre a cidade, seus escritos forneceram temas para as primeiras gerações de escritores locais. É o caso de assuntos recorrentes na primeira fase do romantismo brasileiro como a natureza, o exotismo, a grandiloquência e a escravidão. No contexto em que o país se tornava independente de Portugal a partir de 1822 e precisava buscar sua própria voz em um projeto de literatura nacional, os escritores viajantes foram fonte inesgotável de referências para o meio literário e editorial que surgiriam no século XIX – e que, aí sim, iniciariam uma literatura brasileira e carioca.