Em Sapopéma, temos o caso de um nome original da terra que ao longo do processo de crescimento da cidade acabou esquecido e substituído por outro mais “político”. Contudo, os antigos e poetas populares fizeram questão de não esquecer qual era o lugar de Sapopéma no Rio de Janeiro. Quem gosta de samba talvez já tenha ouvido a canção de Nei Lopes e Wilson Moreira, mais conhecida na voz de Zeca Pagodinho , em uma letra já antológica de “Sapopemba e Maxambomba”. Assim, os sambistas declamam – abusando dos nomes em tupi, entre os toques dos pandeiros, tantãs e tamborins – aquilo que hoje quase ninguém lembra mais: Deodoro já foi Sapopéma.
“Tairetá hoje é Paracambi.
E a vizinha Japeri
Um dia já se chamou Belém (final do trem).
E Magé, com a serra lá em riba.
Guia de Pacobaíba.
Um dia já foi também (tempo do vintém).
Deodoro já foi Sapopemba
E Nova Iguaçu, Maxambomba”
Ao longo da história da urbanização da cidade, Sapopéma resistiu durante séculos, sinônimo de toda uma grande região do subúrbio. Foram quase quatrocentos anos como referência principal do local, que hoje compreende os bairros de Bento Ribeiro, Marechal Hermes, Deodoro e adjacências, e que só acabou desaparecendo quando a Estrada de Ferro Central do Brasil chegou àquela região, em 1859. A estação de trem foi inaugurada com o nome de Sapopemba, mas nos primeiros anos do século XX passou a se chamar estação Deodoro da Fonseca, em homenagem ao militar proclamador da República. Além disso, por ali vastas terras já eram ocupadas pelo próprio Exército. Dessa forma, o nome aportuguesado do tupi, Sapopemba, começou a desaparecer.
Hoje em dia, ainda restam vestígios dessa nomenclatura – no rio Sapopemba e numa das principais ruas do bairro de Bento Ribeiro. No entanto, seu nome ancestral aparece nas duas listas de tabas que foram publicadas na obra de Jean de Léry, ainda no século XVI, bem como nas primeiras cartas de sesmarias portuguesas após a conquista de 1567. Isso permitiu identificar a posição macrogeográfica dessa aldeia no território da cidade e ajudou a entender a disposição de outras próximas.
Na primeira lista de Léry, Sapopem (como no original em francês) é a terceira citada como aquelas comunidades que estavam no interior das terras da baía, precedida pelas grandes tabas de Takûarusutyba e Okaratĩ, seguida das aldeias de Nurukuy e de outras duas que estavam do outro lado da baía, no interior dos atuais municípios de São Gonçalo e Itaboraí, Arasatyba e Ysypotyba, respectivamente. Eram as cinco maiores e mais populosas comunidades nas terras afastadas do litoral. A importância de Sapopéma no sistema de tabas do Rio de Janeiro pré-conquista portuguesa é reafirmada com a repetição de seu nome na segunda lista apresentada por Jean de Léry como aquelas que ele teria visitado pessoalmente em 1557. Sapopéma é a quinta aldeia anotada a partir da margem esquerda da baía. Antes delas são citadas as tabas de Karióka, Jabebiracica, Eiramirĩ e Piráûasu e, nessa lista, Okaratĩ vem logo depois dela, e não antes, como ocorre na primeira lista.
A segunda lista descreve um passeio pelas aldeias do viajante francês a partir da margem esquerda da baía, no Rio de Janeiro. Seguindo a ordem apresentada, é possível, inclusive, refazer seus passos pelas terras da cidade. Esse trajeto representa a descrição das aldeias alcançadas a partir de uma marcha pelo antigo peabiru (como eram chamados os caminhos ancestrais), que levava ao interior do litoral ocidental da baía em direção ao atual bairro de Campo Grande, no grande vale entre as montanhas da Tijuca, Pedra Branca e Gericinó, serpenteadas por rios, em cujas terras havia exuberantes florestas e grande número de aldeias.
Aqueles que, como Léry, chegavam de barco pela baía e, a partir do Forte construído por Villegagnon, buscavam acessar as terras pelo litoral de Jabebiracica na antiga praia Formosa, da enseada de São Cristóvão. Era possível começar adentrando por Pirakãiopã, atual bairro de Bonsucesso, depois passavam por Inhaúma, Piráûasu, e iam embora em direção a Sapopéma. A segunda lista representa, portanto, a disposição espacial das aldeias que se localizavam atravessando terras em direção ao interior em 1557.
A posição de Sapopéma é bastante conhecida. Já no ano de 1567, muito provavelmente, ainda sem a posse definitiva sobre os terrenos dessa aldeia, autoridades lusas emitiram uma carta de sesmaria em favor de um colono de nome Clemente Peres Ferreira. O documento foi emitido em novembro daquele ano, dispondo sobre as terras de Sapupema ou Sapopema, justamente onde se encontram os bairros de Bento Ribeiro, Marechal Hermes, Deodoro, Vila Militar e adjacências. Já em 1612, existia um “Engenho Sapopemba”, cujos canaviais se estendiam até os limites do Maciço de Gericinó, em Bangu.
A palavra é uma toponímia com significado bastante claro. Nome apreciado pelos povos ancestrais do Brasil e, ao que parece, também dos colonizadores, Sapó significa “raiz”, e pem(a) quer dizer “anguloso, esquinado”. Sapopéma era o nome que os antigos do Rio de Janeiro davam às árvores dos arredores da taba, com imensas raízes de contraforte aparentes. Sapopéma tem raízes altas e estreitas, também chamadas de tabulares, e formam verdadeiras paredes que compartimentam os lados das árvores na parte baixa. Essas raízes são características de espécies de árvores da Mata Atlântica que podem ultrapassar 20 metros de altura.
Habitada por gigantescas árvores, a aldeia de Sapopéma deu lugar às fazendas de cana-de-açúcar, tornando boa parte do subúrbio um deserto.