A luta pela infraestrutura

As pessoas tinham uma dificuldade muito grande de água, de carregar água, em alguns lugares. Porque algumas casas tinham água. Então eram aqueles rolas-d’água, que era um barril deitado, que as pessoas puxavam lata d’água. A minha mãe, caía sempre um pouco d’água lá, então ela dava. Tinha filas e mais filas de pessoas carregando água. Era difícil e a luz, assim, faltava muito. A gente não tinha uma luz certa, a gente ficava, às vezes, três, quatro dias sem luz direto, porque a gente não tinha relógio, não tinha nada disso.

O depoimento acima é de Vanda, moradora da Nova Holanda que participou de várias lutas através das décadas. Assim como Vanda, os demais moradores da Maré empreenderam uma luta permanente para terem o mínimo de infraestrutura. 

“Moradores do Timbau estão construindo seu bairro”. Foto de Carlos Mesquita. Fundo Correio da Manhã / Arquivo Nacional

Como relata Ivan Calado, mecânico e morador do Timbau, a autoconstrução não se limitava às moradias. A própria estrutura da favela, como esgoto, aterros, arruamento, era feita pelos moradores: 

A rede de esgoto, quem fazia eram os próprios moradores. O asfalto, quem fazia era o pobre. Se você aterrasse a frente da tua casa, a minha casa ficava baixa, então eu tinha que jogar aterro também, senão quando chovia, a água que estava lá vinha pra minha casa. Então os terrenos eram todos elevados.

Em novembro de 1972, o Correio da Manhã anunciava que a “favela do Timbau vai ser urbanizada”. Foto de Carlos Mesquita. Fundo Correio da Manhã / Arquivo Nacional

Tião, do Projeto Vida Real, também fala de como os moradores resolviam a questão do abastecimento de água, buscando-a em pontos específicos, já que ela não chegava às casas:

Na minha época, a gente tinha que atravessar a pista da Avenida Brasil. A pista da Avenida Brasil, era uma de subida e uma de descida, e a gente atravessava para pegar água na Escola Bahia, no rola-rola, ou então na balança. E hoje, a gente vê essa transformação. Temos água, mas as pessoas não sabem utilizar da forma que deveriam usar, (…) não valorizam. Tinha pessoas aqui dentro que vendiam água. Tinha aqui na rua 6, uma mulher que vendia água, tinha do outro lado, uma mulher que vendia água, tinham alguns lugares que vendiam água. Tiveram pessoas aqui dentro da comunidade que sobreviviam buscando água para os outros. Tinham o rola-rola e aí pegava a água para você hoje, amanhã pegava para outro e era assim o dia todo.

O fato é que muito dessa água vinha de algum lugar pelos canos do Estado, que não disponibilizava esse recurso fundamental dentro de territórios como os da Maré. O improviso, portanto, não era estratégia apenas dos moradores. O próprio poder público muitas vezes realizou ações com base no improviso e na provisoriedade, reafirmando a existência “não oficial” da favela para poder eliminá-la da paisagem a qualquer momento. Dessa maneira, muitos serviços básicos chegavam à Maré — e a outras comunidades — de modo precário e caro. 

Inauguração da caixa d’água na Baixa do Sapateiro – maio/1978. Identificados na foto: governador Faria Lima, locutora e vereadora Daisy Lucidi e o Sr. Atanásio Amorim. Acervo pessoal Atanásio Amorim

A energia elétrica é outro exemplo da precariedade oferecida pelo Estado. Até os anos 1980, a maneira mais comum de se conseguir eletricidade em territórios de favela era com a criação das comissões de luz, que consistiam na instalação de um relógio em alguma casa mais próxima à rede formal. A partir da instalação, os “donos” do relógio, ou as comissões de luz — muitas delas estabelecidas em parceria com o Estado —, distribuíam a energia ao conjunto de moradores. Isso era realizado de maneira precária e mediante uma taxa, paga por cada família que recebia energia elétrica. Essa taxa acabava sendo mais cara do que a luz recebida diretamente da Light — na época uma empresa estatal sob administração federal —, que só implantou a rede elétrica nas favelas a partir da década de 1980, através do Programa de Eletrificação de Favelas.

Termo de entrega e aceitação da rede de distribuição elétrica feita pela Comissão de Luz da Baixa do Sapateiro à Light, dentro do escopo do Programa de Eletrificação de Favelas. c. 1980. Acervo pessoal Atanásio Amorim

No começo, lá no Rubens Vaz, lá na entrada tinha um senhor chamado Adriano, ele, prudentemente fez uma estação de luz. E as pessoas que iam morar naquele bairro ali, ele cedia a luz e a gente não pagava a Light, pagava a ele e ele pagava a companhia elétrica. No começo não tinha relógio, era uma taxa. Porque naquela época não existia tanta televisão, tanto rádio. Ele cobrava mais, era uma taxa… vamos dizer assim, por lâmpada e um radinho. Era lâmpada e radinho. Depois que foi crescendo a coisa, quando começou a evoluir, a água também foi a mesma coisa. O cano da Cedae que passava na Brasil, eles fizeram um desvio de água, e todo mundo foi evoluindo assim, pouco a pouco. (Ivan Calado)