Publicado pela primeira vez em 1899, o clássico “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, começa dando indícios dos desafios cotidianos enfrentados pelos moradores suburbanos ao voltarem para suas residências. “Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei no trem da Central um rapaz aqui do bairro”, são as palavras que abrem a obra machadiana. Após o dia desgastante, finalmente toma-se a condução margeando a linha férrea em direção aos subúrbios. O longo deslocamento do centro da cidade para as zonas norte e oeste oferecia tempo suficiente para encontros, conversas e até namoros.
Imagine uma viagem que prossegue pela antiga Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Engenho Novo — terras que um dia pertenceram à Companhia de Jesus —, atravessando a propriedade do Comendador Augusto Duque-Estrada Meyer, Todos os Santos, e parte das oficinas do Engenho de Dentro, Piedade e Encantado. Seguindo pela rua que homenageia o famoso médico cujo nome substituiu o da antiga estrada Muriquipari, Dr. Clarimundo de Melo, até o destino final no ponto da rua imortalizada com o nome do poeta simbolista, Cruz e Souza.
Aspirando os ares suburbanos, toma-se fôlego para prosseguir bairro adentro. Logo no primeiro botequim, entre os sete ou mais que o seguem até o destino final, uma rápida parada e um copo de cerveja para saudar os amigos e tragar juntos mais notícias.
Dando continuidade, agora seguindo com o passo mais arrastado, celebrando o fim de semana na cadência do samba que ouve-se emanar do pandeiro de uma roda recém-formada na porta de outro boteco. No percurso desvia-se das crianças que brincam de pique e jogam bola driblando seus adversários por entre os grandes buracos do pavimento e as velhas árvores daquele logradouro – sempre assistidas de perto por seus pais e avós que observam todo movimento noturno encostados nos pequenos muros. Alguns molham as plantas e aproveitam para lavar e refrescar suas calçadas, tentando mandar embora o calor que teima em permanecer onde, posteriormente, vão acomodar-se em cadeiras para prosear.
Mais uma pausa motivada pelo cheiro do churrasquinho feito sob medida para enganar o estômago e amenizar a fome até a refeição caseira, após mais duas ou três geladas no bar do amigo, a poucos passos do lar.
Esse pode ser o roteiro de uma espécie de “odisseia” suburbana vivida por gerações por muitos dos moradores das antigas freguesias rurais.