Diferentes tempos e culturas já haviam experimentado jogos parecidos, mas coube à Inglaterra ganhar a fama de ter inventado o futebol como o conhecemos hoje — era, afinal, a dona da bola no século XIX. A influência econômica do país do Big Ben certamente ajudou a espalhar sua versão e suas regras para o esporte, mundo afora. Os Estados Unidos até trocaram os pés pelas mãos e inventaram seu próprio jeito de praticá-lo, criando o “futebol americano”. Porém os ingleses não perderam a majestade: têm, hoje, a Liga de Futebol mais cobiçada do mundo.
Coincidência ou não, aliás, dizem que quem introduziu o esporte no Brasil foi o filho de um inglês: o paulista Charles Miller, que trabalhava na São Paulo Railway. Mas a verdade é que o futebol teve muitas portas de entrada em solo brasileiro, surgindo de forma quase que simultânea em diferentes cidades. Em parte, foi se desenvolvendo dentro de clubes de elite. Em parte, dentro das fábricas.
Os clubes até que tentaram restringir a popularização do esporte. Seus associados pertenciam, em geral, a famílias abastadas, e os estatutos incluíam regras como a proibição de sócios analfabetos ou que exercessem profissões braçais. Além disso, cobravam taxas e mensalidades elevadas. Logo, era impossível para as classes populares frequentar esses espaços onde o futebol começava a se desenvolver.
Mas havia as fábricas. E, aos poucos, o jogo de bola foi tomando os pátios nos intervalos, e até sendo adotado como atividade física. Em 1906, o Rio tinha mais de 600 indústrias, que empregavam quase 120 mil operários — nada menos que 15% da população. Diz a lenda que um escocês chamado Thomas Donohoe resolveu trazer para a cidade uma bola, uma bomba de encher e chuteiras, e jogar com os operários nos intervalos de trabalho da indústria em que atuava, a Fábrica de Tecidos Bangu.
Também há indícios de que foi lá, na Fábrica de Tecidos Bangu, que aconteceu o primeiro jogo organizado no Rio, com a presença de um juiz e obedecendo formalmente a todas as regras.
Nas escolas da cidade, como o Colégio Pedro II, o futebol também foi se incorporando às atividades educativas, já desde a última década do século XIX. Como se pode ver, era impossível deter a disseminação do esporte — e também descobrir exatamente onde tudo começou.
E o futebol foi aos poucos tomando o lugar dos esportes que atraíam milhares de curiosos nas últimas décadas do século XIX: o turfe e o remo. Não por acaso, o estádio do Maracanã foi construído onde antes ficava o Derby Club, palco de disputadas corridas de cavalo no início do século XX.
Mas, enquanto o turfe e o remo demandavam algum tipo de investimento financeiro de seus praticantes, devido ao aparato que exigem, o futebol tinha a seu favor o fato de só depender, basicamente, de uma bola. Logo, podia ser jogado por qualquer pessoa. De operários a advogados, de marinheiros a intelectuais. Coelho Neto, escritor de sucesso e pertencente à classe média alta, teve dois filhos jogadores, Mano e Preguinho. O primeiro morreu em consequência de uma pancada que levou em campo, e o segundo, além de excelente artilheiro e autor do primeiro gol da Seleção Brasileira em Copas do Mundo (a do Uruguai, em 1930), foi um dos melhores atletas que o Brasil e o Rio já tiveram. Praticava outras nove modalidades e amealhou 387 medalhas ao longo de sua vida esportiva.
Até o início da década de 1920, os três principais clubes de futebol estavam localizados na Zona Sul da cidade, muito próximos uns aos outros. O Fluminense foi a primeira agremiação carioca a se intitular como clube de futebol. Fundado em 1902, teve apoio da família Guinle. O Flamengo, nascido de uma dissidência do Fluminense, já tinha sua sede na Gávea, e o Botafogo fazia seus jogos num campo alugado no Largo dos Leões. Havia muitos outros times no subúrbio, mas o único de grande porte ficava na Tijuca, na Zona Norte: o América Football Club.
Para gerar renda com a venda de ingressos, os grandes clubes passaram a formar ligas para organizar campeonatos. Em 1905, foi constituída a primeira: a Liga Metropolitana de Football (LMF). Reunindo os clubes fundados na virada dos séculos, realizou o primeiro Campeonato Carioca, em 1906. No subúrbio, havia outras ligas que também realizavam campeonatos.
As brigas internas nas ligas eram constantes, motivadas principalmente pelo embate entre o amadorismo e o profissionalismo: os membros dos clubes de elite defendiam o futebol amador, sem remunerar os jogadores. Por outro lado, os clubes dos subúrbios e das fábricas já pagavam salários ou gratificações como forma de incentivo.
Além da disputa entre amadorismo e profissionalismo, havia a questão racial, que se acirrou em 1923, com a conquista do Campeonato Carioca pelo Vasco da Gama. O time era comandado por dirigentes portugueses, e havia eleito um presidente negro em 1904: Cândido de Araújo, campeão já na sua estreia na primeira divisão, em 1923, com jogadores negros e brancos. Não foi a primeira equipe a contar com jogadores negros, mas foi a primeira vez que um time fora dos círculos de elite ganhava um campeonato.
O triunfo do Vasco provocou uma crise e fez com que Fluminense, Botafogo, Flamengo, América, Bangu e São Cristóvão criassem a Associação Metropolitana de Esportes Amadores (Amea). Todos os grandes clubes foram inscritos, menos o Vasco da Gama, com a alegação de que seus atletas teriam “profissões duvidosas” e de que seu estádio estava em más condições. De fato, as condições do estádio não eram boas, mas a proposta da associação deixava claro o preconceito: o time deveria excluir 12 jogadores, justamente os negros e operários. A proposta foi recusada em uma carta do presidente do clube na época, desistindo de fazer parte da associação.