Na Idade Média, vitiligo, psoríase, escorbuto, hanseníase, entre outras doenças dermatológicas, eram indistintamente associadas ao termo em latim leprae. Seu sentido estava ligado tanto ao vocábulo árabe al-judhâm, referente à elefantíase grega, morfeia, como ao hebraico tsara’ath encontrado na Torá e na Bíblia com o sentido de castigo divino. Seus sintomas dificilmente passavam despercebidos, pois manifestam-se na pele, à vista de todos. Mas não se tratava apenas de uma doença do corpo. As chagas eram consideradas sintomas da corrupção moral de seu portador.
Trazida por colonizadores e escravizados para a América portuguesa, no século XVII, a doença, com todos os seus estigmas, começou a ser mencionada nas correspondências trocadas entre o rei de Portugal, membros da Câmara do Rio de Janeiro e governadores da capitania. Ao longo do século XVIII, o termo passou a ser identificado a um conjunto específico de sintomas, como o chamado “aspecto leonino” e a insensibilidade.
Os lázaros ou leprosos – como eram então conhecidos os portadores da hanseníase – compunham a paisagem urbana da cidade. Até meados do século XIX, quando os espaços físicos do Rio de Janeiro não eram ainda completamente segregados, eles compartilhavam as ruas com ambulantes, escravizados e pobres.
Na primeira metade do século XVIII, o governador e capitão-general do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, futuro conde Bobadella, iniciou, por demanda de dom João V, a construção de um lazareto. A empreitada resumiu-se à construção de pequenas casas que abrigariam aproximadamente 52 leprosos ao pé do morro de São Cristóvão, um lugar remoto e alheio à circulação das pessoas. Aos poucos, a doença passou a ser considerada uma ameaça à saúde pública.
Após a morte de Gomes Freire, em 1763, um dos membros do triunvirato que assumiu o governo da capitania, o bispo dom Antônio do Desterro, repassou ao Santíssimo Sacramento da Candelária a assistência aos leprosos reunidos em São Cristóvão. Um antigo monastério jesuíta foi reformado e, em 1766, passou a abrigar o Hospital dos Lázaros. Até 1929, quando o Hospital-Colônia Curupaiti, em Jacarepaguá, foi inaugurado, era a única instituição dedicada ao isolamento e tratamento dos portadores da hanseníase, não apenas na capital, mas em todo o Rio de Janeiro.
No alto do principal acesso ao Hospital dos Lázaros foram inscritos os versos do poeta italiano Dante Alighieri: “Deixai aqui toda esperança, vós que entrais”. Os versos causaram indignação no imperador Pedro II. A citação foi retirada sob suas ordens em 1886, e um vitral com a inscrição “Aqui renasce a esperança” passou a decorar o lugar.
A doença passou a ser cada vez mais dissociada da ideia do pecado – depois da descoberta do bacilo causador, a bactéria Mycobacterium leprae, em 1874 – para ser vinculada ao perigo de contágio. Foi necessário proteger a população sadia e internar, muitas vezes de forma compulsória, pessoas diagnosticadas com hanseníase. Curupaiti tornou-se quase uma pequena cidade: o leprosário era destinado ao isolamento e tratamento do doente; no dispensário ficavam os familiares e demais pessoas que tiveram contato com os pacientes; e para o preventório seguiam as crianças que eram separadas de seus pais, muitas logo ao nascer.
Entre 2013 e 2016, houve uma queda no número de casos de hanseníase no Rio de Janeiro. Mas, em seguida, o número de casos voltou a aumentar. As ações atualmente são voltadas para o fim do estigma e o diagnóstico precoce, de modo que a impressão causada no poeta Olavo Bilac à vista de um “lázaro” não venha a se repetir: “Só!… No meio da agitação da vida, só, entre os que amam, só entre os que riem, só entre os que choram, só entre todos, insulado pela sua hedionda moléstia, o lázaro vive mais abandonado em plena comunhão social do que se estivesse no ermo absoluto do mais inexplorado areal africano”.
O Brasil ocupa hoje a triste 2ª posição do mundo entre os países que registram casos novos.
Este texto foi elaborado pela pesquisadora Marcela Telles Elian de Lima do Projeto República (UFMG)