Maracanã

Apelido do icônico estádio da cidade do Rio de Janeiro, Maracanã é uma das palavras mais conhecidas no Brasil e no exterior. O principal estádio de Belgrado, na Sérvia, é conhecido como Marakana. No Panamá também há um estádio com esse nome. Brasileiros e apaixonados por futebol mundo afora conhecem o que se passou naquele campo em 1950, bem como alemães, que vibraram no Maracanã em 2014 quando, mais uma vez, foram campeões mundiais. É a segunda casa dos cariocas, multidões se reúnem ali a cada domingo. No entanto, por incrível que pareça, são raros os que conhecem a origem e significado da alcunha do estádio. 

Alguns poderão — corretamente — ao nome do rio que passa silenciosamente em frente à construção, a céu aberto, mas qual seria então o significado desse nome em tupi e por que ele prevaleceu nessa área? Os cariocas crescem, frequentam e vibram nos jogos de seu coliseu, mas não se perguntaram que nome é esse?

Rio Maracanã atualmente. Foto: Rctk caRIOca

Maracanã é nome de pássaro. O mais representativo de toda uma terra e que nos anos 1500 eram tão numerosos como são os pombos, hoje em dia. Todo aventureiro que vinha à costa brasileira ou à Guanabara tratava de levar um maracanã. Os indígenas os doavam, não ligavam porque havia muitos, infinitos. Maracanã é um tipo de papagaio. Os “ajurus” são endêmicos de toda a região Sudeste, sendo muitos deles criados pelos tupis como animais de estimação. Preferidos sobretudo pelas mulheres, eram ensinados a “falar”, responder a perguntas e obedecer a comandos.

A ave Maracanã. Retirado da obra de Francis de Laporte de Castelnau, publicada em Paris, 1850-1857. Acervo Arquivo Nacional

O francês Jean de Léry conheceu, em 1558, uma mulher tupinambá que andava com seu “ajuru” no ombro e que encantava os europeus com os truques de seu papagaio de estimação. Ele escreveu que foi a “maior maravilha” observar o pássaro que “entendia o que lhe falava sua dona”. Em troca de um pente ou presente, ela o colocava para pular, dançar, falar e até cantar. Perguntada por quanto gostaria de trocar aquele papagaio, ela respondeu que só por um grande canhão, pois era muito amado. Foi Léry quem registrou a anotação mais antiga da palavra “maracanã”, ao ter afirmado existir uma espécie de papagaio na Guanabara tão abundante quantos os pombos: “A segunda espécie de papagaios é a dos chamados marganaz”, que eram tantos “quantos os pombos em França”. Por isso, os maracanãs eram negociados com os europeus, que “comumente trazem-no para cá (Europa) os viajantes”.

O maracá era um dos principais instrumentos de cerimônias e rituais entre os caraíbas e pajés. Nesta representação do que parece ser uma cerimônia fúnebre, participam os guerreiros de uma aldeia. Da obra de Jean de Léry.

É justamente da característica vocal desse pássaro que vem o entendimento da palavra “maracanã” (“maraká” + “”). O chocalho maracá é o instrumento principal de invocação nas cerimônias religiosas, danças e rituais; e o sufixo “”, a forma como diziam ser algo “parecido como, semelhante, igual”. Ou seja, o papagaio maracanã era assim chamado por ser capaz de reproduzir o som do chocalhar dos maracás e por ser barulhento quando em bando. 

Maracanã faz menção à cultura indígena tupi do Rio de Janeiro, nos lembra a fauna local na figura do papagaio mais comum de nosso ecossistema, assim como a um dos principais objetos de culto místico tupi. O maracá — que representava o elo com o além e cujos melhores tocadores eram respeitados pelos indígenas — era essencial nas festas, celebrações e espetáculos da Guanabara mais remota.

Gravura com a representação de dois indígenas brincando com seus animais de estimação, entre eles um papagaio e um macaco. Da obra de Jean de Léry.

Entretanto, é possível inferir que o nome do rio batizado como “Maracanã” deveria ser outro, uma vez que não existe a partícula “y”, que caracteriza nomes de rio no tupi, como em Piraí ou Andaraí. É provável que o nome desse rio tenha sido incorporado à época colonial, quando os contatos entre colonizadores e indígenas eram frequentes. 

Hoje desaparecidos do meio ambiente carioca urbano, mas tão recorrentes nos anos 1500 e 1600, os maracanãs eram cotidianos nos céus da atual Tijuca, assim como eram as araras e outras espécies de pássaros. Os papagaios têm por hábito fazer ninhos em árvores altas, nas palmeiras das montanhas. Durante o dia, seguiam para a várzea dos rios em busca de água, sementes e frutos. 

A hipótese mais plausível para esse rio da Tijuca ter recebido tal nome é devido a, na outra várzea, se encontrar o atual estádio – um local de baixios e charcos onde mais podiam ser avistados a pouca distância os maracanãs, estimados para captura e comercialização. Assim, o rio passou a ser conhecido dos moradores como sendo o local onde se achavam os maracanãs; com o tempo, o nome foi incorporado como o Rio “dos Maracanãs”. Já o papagaio, infelizmente, ninguém mais vê ou lembra.