Novas gerações

A estrutura urbana de serviços e equipamentos que a Maré conta hoje foi fruto de décadas de luta dos moradores, que coletivamente perceberam objetivos em comum e forjaram sua identidade como moradores de favela. Tratados muitas vezes de modo estigmatizado pelo Estado e por parte da sociedade, outro elemento fundamental para a permanência e melhoria das favelas da Maré foi a solidariedade entre moradores.

Nova Holanda em 1988. Foto: Marcylene.

Dona Jozefa, moradora do Parque União que participa da Pastoral de Favelas desde a sua fundação e também nas ações paroquiais na Maré, conta sobre a sua atuação no auxílio às famílias mais pobres desde o tempo das palafitas:

Eu andei muito nas palafitas com o padre Piero. A gente ia lá do Parque União para a Nova Holanda. Ele fazia aquelas caminhadas nas palafitas e a gente junto, né. Eu acho que foi o padre Piero que me motivou a participar dessas coisas de andar nas palafitas. A gente trabalhava muito pelo pobre. A gente dava assistência àquelas pessoas que… às vezes famílias com 3, 4, 5 filhos, passando fome. E a gente fazia tudo para ajudar. 

Campanha da Chapa Rosa para Associação de Moradores da Nova Holanda, 1984 – Acervo Edson Diniz

A Maré conta com uma longa tradição de mobilização comunitária. De dona Orosina, passando pelos moradores do Parque União, a Comissão de Defesa das Favelas da Maré, a Chapa Rosa da Nova Holanda, até as novas lutas, a partir da década de 1980, pelo direito de ser mareense e viver em paz. Gerações de moradores compartilha do que pensa o jornalista Hélio Euclides, que, quando vê um anúncio de jornal sobre a Maré “ganhar” algum serviço básico ou benfeitoria, questiona:

A Maré não ganha nada. Nada cai do céu. O que cai do céu é chuva. O prefeito, o governador e o presidente, ninguém dá de presente nada para favela. É uma luta. Tem uma mobilização de pessoas que correram atrás, para que tivesse esses espaços de ginástica, que tivesse os EDIs [Espaços de Desenvolvimento Infantil]. Então eu quero falar para o jovem isso, para que ele entenda que não cai do céu, que ele tem que se mobilizar. Ele tem que aprender que se o posto médico não está bom, vamos ligar para a ouvidoria, vamos entrar em contato com o gerente do posto, vamos correr atrás para que melhore. Se a educação está ruim, tem que falar com a diretora, tem que falar com a 4ª. CRE [Coordenadoria Regional de Educação, da Prefeitura do Rio], tem que falar com a Secretaria Municipal de Educação, tem que correr atrás. Porque aqui, às vezes o pai, o avô, estão cansados, já, dessa mobilização. Então agora é o momento desses jovens assumirem isso. As associações de moradores precisam de jovens, eu vejo os presidentes das associações tudo de cabelo branco. Então está na hora do jovem assumir esse espaço que é dele, entendeu? Quando a Eliana Sousa foi presidente da associação, ela era novinha, era uma menina. Então eu acho que agora é momento também desses meninos, meninas, assumirem a política da Maré. E não deixar que a mobilização acabe.

Fachada da Casa da Diversidade Gilmara Cunha, na Nova Holanda. Centro de Promoção da Cidadania LGBTIQIA+. Foto: Tainara Amorim

E as novas gerações realmente não abandonou essa tradição de mobilização, e segue atuando nos mais diversos espaços de luta: moradia, educação, direitos humanos, movimento negro, movimento feminista, LGBTQIA+, entre muita outras frentes. São muitos ativistas, coletivos, organizações, que mantêm viva e cada vez mais forte a luta dos moradores da Maré pela cidade e por seu próprio território. A Maré, as Marés… diferentes no tempo e nos espaços: as marés de Marielles, de sementes plantadas por gerações anteriores, continuam germinando e dando frutos, não só para a Maré, mas para toda a sociedade. 

Jovens ativistas da Maré, 2017. Acervo Aristênio Gomes