No início do século XIX, o Largo do Carmo era o ponto de contato do Rio de Janeiro com o mundo. Ainda que a expansão urbana, desde o século XVIII, tenha atraído atenções para o sul da cidade, a centralidade permaneceu no entorno do largo que, ao longo do tempo, ganhou novas construções e viu sua paisagem se transformar.
Os novos edifícios ressaltavam as mudanças arquitetônicas pelas quais o Rio passava. Os ares europeus entravam pelo porto junto com os navios que iam e vinham e se espalhavam pelo complexo urbano.
A missão artística francesa, que chegou em 1816, logo imprimiu o estilo neoclássico na arquitetura da cidade: em 1820 o prédio da Praça do Comércio, primeiro projeto do arquiteto Grandjean de Montigny no Rio, foi inaugurado (em 1824 o edifício virou sede da Alfândega) e, na década de 1830, a construção do Hotel Pharoux, com seu famoso restaurante de culinária francesa, deu início a presença de hotéis estrangeiros e de luxo na cidade.
Dentre as mudanças na paisagem do Largo do Carmo que contribuíram para seu status de centro da vida urbana carioca, estão as reformas no Paço dos Vice-reis que, após a chegada da Corte portuguesa, em 1808, foi promovido a Paço Real e primeira residência de D. João VI no Rio de Janeiro.
O edifício que abrigou o Paço dos Governadores (1743-1763) e dos Vice-reis (1763-1808), passou por inúmeras modificações para receber a Família Real: em seu interior, foi construída a Sala do Trono e, no exterior, foi erguido um passadiço que facilitava o trânsito entre as residências reais para unir o Paço ao Convento do Carmo, onde morava a rainha D. Maria I. A varanda da fachada principal tornou-se o grande palco das cerimônias públicas: foi dali, por exemplo, que D. João VI apareceu em público pela primeira vez após sua coroação; que seu filho D. Pedro I declarou sua intenção de ficar no Brasil em janeiro de 1822, no que ficou conhecido como “Dia do Fico”; e que D. Pedro II foi aclamado imperador (1831). Infelizmente a varanda acabou sendo demolida na segunda metade do século XIX.
Com a independência do Brasil, em 1822, o prédio se tornou Paço Imperial. Em 1824, o oficial alemão Carl Schlichthorst, registrou suas impressões sobre a construção:
“O Paço Imperial não difere muito dos outros edifícios da cidade. Seu interior não é deslumbrante e há centenas de casas particulares melhor alfaiatadas. Mas sua posição transforma-o num palácio de fadas. Por todos os lados o ar refrescante do mar penetra nos altos aposentos abobadados. A seus pés se estende uma praça limitada por um cais onde durante horas se observa o colorido formigar da multidão”. (Schlichthorst, “O Rio de Janeiro como é”, p. 46)
A admiração do oficial alemão indica a teatralidade do conjunto estabelecido no Largo do Carmo, protagonizado pelo Paço Imperial emoldurado pela presença da natureza.
A proclamação da República, em 1889, retirou do Paço a condição de palco e cenário de grandes decisões e cerimônias públicas, em um exercício de substituir os símbolos da monarquia por outros, de acordo com os ideais da República em construção.