O debate sobre a arquitetura moderna no Brasil foi decisivo para que a consciência urbana no Rio de Janeiro amadurecesse e resultou no seu primeiro plano diretor, o Plano Agache. A escolha de Alfred Agache para desenvolver a remodelação da cidade envolveu muitas questões que foram da política à estética. O contexto era o final da década de 1920, quando a tensão em torno da possibilidade de uma guerra mundial e a participação americana nas diretrizes gerais do desenvolvimento do capitalismo colaboraram para que o modernismo assumisse uma posição relevante no urbanismo. A racionalidade passou a ser o elemento determinante nas mudanças urbanas.
O Rio de Janeiro, como capital do país, recepcionou esses debates e dividiu opiniões. Havia a possibilidade de escolher entre a ousadia e a radicalidade modernista de Le Corbusier ou o modernismo bem-comportado de Agache, que valorizava o espaço urbano como capital e mercadoria através do processo de verticalização, utilizando a novidade do “arranha-céu”. Agache foi o escolhido.
O Plano Agache possuía diretrizes distintas daquelas que até então motivaram as alterações espaciais, pois definiu a estratégia de entrada da cidade na estética modernista, que tinha como perspectiva o estilo art déco. O novo plano não era uma unanimidade, e havia as pressões do Clube de Engenharia, que criticava a escolha de engenheiros estrangeiros.
O avanço do capital imobiliário resultou na ocupação da orla sul, dando início à diferenciação entre a zona sul e a zona norte. Alguns bairros abandonaram as características aristocráticas para receber novas instalações fabris, como a Tijuca e Vila Isabel.
Na esteira desse desenvolvimento, houve um aumento da burocracia do Estado e a expansão dos serviços na cidade capital, no seu processo de se apresentar como espaço modernizado e cosmopolita.
A Revolução de 1930 abriu espaço para a hegemonia do capital financeiro internacional, e a cidade, que já possuía, no início do século XX, mais de 800 mil habitantes, demandou mudanças para se adequar a essa nova conjuntura.
A Reforma Passos havia rasgado a cidade e indicado as linhas de força de seu desenvolvimento. A avenida Central, depois avenida Rio Branco, foi a primeira diagonal que ligou duas radiais: a avenida Beira-Mar, na direção da zona sul, e a avenida Rodrigues Alves, em direção à zona norte, reforçando o caráter exportador do país, pois esse circuito de avenidas enfatizava o novo porto da cidade.
As mudanças mais importantes, no entanto, ocorreram na década de 1920, quando da administração de Carlos Sampaio na prefeitura, que, voltado para o crescimento imobiliário da cidade, participou da ação mais discutida e necessária para o desenvolvimento do Plano Agache, alguns anos depois: a demolição do morro do Castelo. A polêmica em torno da demolição colocou, de um lado, aqueles que defendiam o arrasamento dos morros da cidade como condição de melhora da sua salubridade, e de outro, os que defendiam as tradições históricas da cidade e que viam no morro do Castelo o elemento de memória da sua fundação.
A derrubada do morro do Castelo criou um espaço novo e necessário para a realização do grande evento de comemoração do Centenário da Independência do Brasil, em 1922, além de liberar uma grande área para a especulação imobiliária. A terra do desmonte aterrou uma área de enormes proporções na baía da Guanabara, entre a praia de Santa Luzia e a praia do Russel, onde foram construídos os grandes pavilhões da Exposição Internacional do Centenário da Independência.
A presença de um homem da política paulista na prefeitura, que não conhecia a história da cidade do Rio, ajuda a compreender a escolha de Alfred Agache, em 1926. Antônio Prado Júnior, cuja experiência em administração pública se resumia à direção de um clube de futebol em SP (Atlético Clube Paulistano), era um típico representante das oligarquias. Essa experiência paradoxal na prefeitura decorreu da ausência de eleições para o cargo de prefeito, que era indicação direta do presidente da República e, nessa altura, o objetivo da remodelação da cidade do Rio de Janeiro era desenvolver a infraestrutura e o embelezamento do Centro, para ampliar a recepção dos investimentos externos na capital. Essa estratégia excluía do plano o protagonismo das camadas populares, mas, ao mesmo tempo, visava a desenvolver perspectivas que pudessem, a médio prazo, fazer com que os setores médios, incorporados à remodelação, passassem a apoiar as políticas do Estado. Com esse apoio, haveria o restabelecimento da ordem, isolando os interesses populares.
Como consequência dessa conjuntura, Antônio Prado Júnior optou por contratar um urbanista francês de renome internacional, que reunia as qualidades suficientes para unir o modelo de cidade europeia com a renovação política que estava sendo encaminhada, abrindo espaço para a burguesia urbana, ainda fascinada pela estética francesa. Alfred Agache se encarregou, então, do primeiro plano diretor da cidade, entre 1926 e 1930, que enfatizava a remodelação pensada enquanto adequação racional e funcional aos interesses do capital financeiro e o embelezamento como mecanismo de revitalização da força da nação e do desenvolvimento do sentimento nacional.
A base do Plano Agache era a renovação da dimensão físico-territorial, e não a preparação da cidade para o desenvolvimento. Era uma intervenção pontual, que deveria se limitar ao Centro, lugar por excelência das negociações financeiras. Para tanto, seria preciso realocar valores, melhorando as edificações, a ordenação dos arruamentos e a circulação, acelerando o movimento sem congestionamentos. O aspecto visual era relevante para Agache, o que denuncia sua formação na École des Beaux-Arts de Paris, representada pela ênfase na combinação entre monumentalidade e academicismo. Entretanto, no plano do Rio, o que fica mais patente é a adequação do academicismo à funcionalidade e à objetividade modernistas. Essa faceta revela uma aproximação de Agache com o urbanismo americano da Escola de Chicago, que incentivou a construção dos arranha-céus, aproximando-o do City Beautiful Moviment, movimento arquitetônico e urbanístico, que floresceu final do século XIX nos Estados Unidos, com o intuito de embelezar as cidades através dos grandes monumentos.
Entretanto, por mais abertura que Agache tivesse para as novidades modernistas, sua concepção de cidade ainda se configurava em concebê-la como um organismo vivo, que seria a metáfora da própria vida humana, em que o funcionamento da cidade seria representado pelo metabolismo corporal. Assim, as praças, as avenidas e os jardins seriam os pulmões da cidade, o seu sistema aeróbico. As ruas seriam como as veias do corpo humano e fariam parte do sistema circulatório, tendo como função levar a vida até o coração da cidade: o Centro. Por fim, o aparelho digestivo seriam os esgotos. Esse mecanismo estrutural-funcionalista deveria ser baseado no bom funcionamento de cada parte que compõe o sistema geral, realizando o objetivo da harmonia entre as partes e o todo. A anomia ou disfuncionalidade do sistema geraria “doenças” na cidade.
No que diz respeito às favelas, Agache as considerou cidades-satélites de formação espontânea, compostas por uma população variável e avessa à higiene, que deveria ser civilizada, habitando casas populares a serem construídas. O ordenamento do Rio teria como pressuposto a combinação entre legislação urbana e zoneamento, ou seja, a atribuição de funções a cada espaço, com o objetivo de alterar a cultura urbana através de mudanças nas relações sociais e fazendo da cidade um agente de transformações de hábitos e de costumes, o que resultaria em uma cidade moderna. Com essa naturalização, o Rio e sua vida girariam em torno da sua função político-administrativa como capital e da função econômica como porto e mercado.
Com a construção da Esplanada do Castelo, as novas ruas que cortaram a Rio Branco acabaram por renovar a obra de Pereira Passos. A remodelação de Agache, concentrada no Centro e aberta para a zona sul, confirmou o que já funcionava como vivência das diferenças no cotidiano carioca. A avenida 13 de Maio, o Tabuleiro da Baiana e o Largo da Carioca articulavam o sistema de circulação para a zona sul, enquanto a praça Tiradentes e o largo de São Francisco faziam o mesmo para a zona norte. Antes ainda da avenida Presidente Vargas, a Rio Branco já estava dividida entre sul e norte. A dimensão popular das diversões da praça Tiradentes contrastava com o refinamento dos cinemas da Cinelândia. Alfred Agache, projetou a cidade burguesa, dando a ela um centro diferenciado: a Cinelândia, a Broadway brasileira.