Se no século XIX, ser poeta no Rio de Janeiro da corte de Pedro II era uma ocupação reservada aos jovens estudantes e aos oradores de plantão, com a profissionalização do meio literário a poesia ganhou papel de destaque – ao menos para os críticos e o mercado editorial.
Após o sucesso de escolas simultâneas francesas, que definiam estilos de poesia – majoritariamente os parnasianos e os simbolistas –, as transformações que surgiram a partir dos modernismos que eclodiam em diferentes cidades brasileiras na década de 1920 fez com que os fazedores de versos ampliassem vocabulários e assuntos.
Durante o romantismo, muitas vezes, a poesia esteva a serviço dos afetos mais agudos – fossem eles o amor trágico, ou o engajamento político. Com a incorporação da cidade na paisagem do poema, a poesia carioca se transformou aos poucos, ainda que muitos dos principais poetas que cantavam a cidade não fossem nascidos no Rio de Janeiro – casos principais de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade, mas também de Jorge de Lima e Murilo Mendes.
Apesar de nomes famosos no meio literário, como Augusto Frederico Schmidt e sua poesia palavrosa e antiga, e de dezenas de poetas sem grande projeção para além dos círculos letrados, apenas na década de 1930 surgiu um poeta como Vinícius de Moraes, carioquíssimo e moderno à sua maneira.
Seus primeiros livros foram voltados para um pendor místico e grandiloquente, mas, aos poucos, o criador de poemas definitivos sobre a cidade começaria a se popularizar. Vinícius trouxe no título de muitos de seus versos uma série de bairros como Ilha do Governador, Botafogo, Copacabana, Lapa, Vidigal, o Mangue e o (morro do) Cavalão, além de comentários mordazes sobre a evolução arquitetônica, em poemas como “A cidade em progresso”.
Existia, e ainda existe
Um certo beco na Lapa
Onde assistia, não assiste
Um poeta no fundo triste
No alto de um apartamento
Como no alto de uma escarpa.
Em dias de minha vida
Em que me levava o vento
Como uma nave ferida
No cimo da escarpa erguida
Eu via uma luz discreta
Acender serenamente.
Era a ilha da amizade
Era o espírito do poeta
A buscar pela cidade
Minha louca mocidade.
Como uma nave ferida
Perambulando patética.
E eu ia e ascensionava
A grande espiral erguida
Onde o poeta me aguardava
E onde tudo me guardava
Contra a angústia do vazio
Que embaixo me consumia.
Um simples apartamento
Num pobre beco sombrio
Na Lapa, junto ao convento…
Porém, no meu pensamento
Era o farol da poesia
Brilhando serenamente.
Lapa de Bandeira – poema de 1962 dedicado a Manuel Bandeira
Após um período em que a poesia atravessou as inovações de vanguardas construtivistas e engajamentos políticos, um outro momento de eclosão da poesia carioca, que falava a linguagem urbana de suas ruas apareceria na chamada “poesia de mimeógrafo” – geração de jovens que circulavam por bairros da zona sul, zona norte e universidades.
Chacal, Charles, Ronaldo Santos, Luiz Olavo Fontes, Ana Cristina César ou Bernardo Vilhena faziam da gíria carioca, da geografia dos morros, dos amores de praia, do medo das ruas silenciosas durante a ditadura civil-militar e das vidas em trânsito entre o Arpoador, o Parque Lage, São Cristóvão ou Copacabana, temas centrais em seus versos crus e diretos.
O baiano Waly Salomão, outro poeta fundamental desse período, também comentava as ruas da cidade em longos poemas, como “Roteiro Turístico do Rio de Janeiro”, publicado em seu livro de estreia Me segura que eu vou dar um troço, de 1972.
Entre as formas fixas e clássicas da geração entreguerras, no século XX, e as formas livres e independentes dos poetas da década de 1970, o Rio continuou sendo tema de novas gerações que apareceram na cidade e souberam incorporar sua presença em seus versos. Carlito Azevedo foi um dos que fez do cenário da cidade uma presença latente em frestas de poemas que atravessam da avenida Rio Branco aos “reflexos de cobre da Lagoa”, do vento que sopra na Gávea até a “lua muçulmana” que brilha na Urca.