Projeto Rio, a Codefam e a urbanização da Maré

No fim da década de 1970, o Projeto Rio se estruturou dentro do Programa de Erradicação da Sub-habitação (Promorar), promovido pelo Ministério do Interior e executado pelo Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) com recursos do Banco Nacional de Habitação (BNH). Isso poucos anos após a política de remoções de favelas realizada pelos governos Carlos Lacerda e Negrão de Lima. Ou seja, os moradores tiveram razões de sobra para temer o programa e o destino das famílias que viviam na área. 

O processo de redemocratização do país possibilitou a organização das lideranças da Maré em torno da Codefam. O governo militar, em busca de garantir alguma sobrevida, viu nessa mobilização uma ferramenta importante para conseguir apoio popular, em meio à política de transição “lenta, gradual e segura” iniciada por Ernesto Geisel, presidente entre os anos de 1974 e 1979. 

Processo de remoção dos moradores das palafitas da Maré – Década de 1980. Fonte: Sandra de Souza (Flickr)

Assim, anunciado inicialmente como um processo de erradicação de favelas, tendo Mario Andreazza à frente do Ministério do Interior, o Projeto Rio foi redirecionado para se tornar um processo amplo de urbanização da área junto à transferência das famílias moradoras das palafitas para conjuntos construídos no entorno, como a Vila do João — que recebeu o nome do então presidente João Figueiredo —, ou a Vila do Pinheiro. O jornalista Hélio Euclides lembra do impacto do projeto em sua vida:

Eu participei do Projeto Rio, que foi do governo militar, que era a retirada dos moradores do Parque Maré e da Baixa do Sapateiro para aterramento. Grande parte morava em palafita, ainda. Não era o meu caso. E aí a gente foi removido. Para um pré-adolescente, eu tinha dez anos, foi bem complicado. Você vê alguns vizinhos, amigos, amiguinhos né, não irem. E aí você tem toda uma diferença. Os vizinhos novos, tudo para mim foi muito difícil, essa adaptação do Projeto Rio, de ir morar na Vila do Pinheiro. Mas a gente construiu um amor pela Vila do Pinheiro e eu fiquei lá muitos, muitos anos.

Além do fim das palafitas e a transferência dos moradores para outros locais, o governo anunciou — após várias reuniões com a Codefam — o plano de urbanização da área, através da atuação coordenada entre os diferentes níveis do governo em diversas ações, como abastecimento de água, asfalto e calçamento das ruas, esgotamento sanitário e implantação de equipamentos comunitários.

Em junho de 1981 ocorreu uma das cerimônias de entrega dos títulos de posse aos moradores do Timbau. Já no clima das eleições para governador no ano seguinte, a cerimônia se transformou num comício, com presença de políticos e autoridades no palanque, como o próprio presidente João Figueiredo e o ministro Andreazza, que assinou uma ficha de filiação à Codefam. Embaixo, em meio à plateia, faixas de associações de moradores agradeciam ao governo e autoridades pelo Projeto Rio.

Moradores numa das cerimônias do Projeto Rio, c. 1981. Acervo Pastoral de Favelas

Hélio Euclides fala sobre as “homenagens” feitas pelo Projeto Rio, que além da Vila do João, tem duas creches que fazem referência às autoridades da época, como a creche Tia Dulce — 1ª dama do país —, e Tio Mário, em homenagem ao ministro à frente do projeto:

O Projeto Rio nasce na ditadura militar, era o governo de João Figueiredo, então não tinha lógica… Como uma população ia homenagear um presidente? E assim, como ia se chamar Vila do João, se os moradores iam se mudar, ainda não tinham se mudado, e já era Vila João? […] Eu descobri um senhorzinho lá na Vila do João, o apelido dele era Sarinho. Ele me explicou que foi imposição do governo militar. Porque o governo militar estava no fim e ele tinha que mostrar serviço, tipo cachorro marcar o território. Então, ele tinha que marcar, no Rio de Janeiro, um projeto grandioso como era o Projeto Rio, de tirar as pessoas da Palafita, botar em casas habitacionais. Então você tem toda uma construção militar, de colocar território, dizer que o projeto é grandioso e vencedor do Projeto Rio. E aí tem essa questão de ter tudo armado ali. Uma política armada pra mostrar isso.

As cerimônias do Projeto Rio se transformavam em comícios. c. 1981. Acervo Pastoral de Favelas