Se no início do século XX a região da Maré era repleta de praias, ilhas e uma natureza exuberante que servia de abrigo às aldeias de pescadores na margem da Baía de Guanabara, a ocupação do território nas décadas seguintes trouxe um enorme passivo ambiental para toda a cidade, mas que incide com mais gravidade sobre os próprios moradores da Maré.
A desigualdade ambiental se revela aqui em sua face mais cruel: foi nessa área que equipamentos importantes para a cidade foram implantados, mas sem compensações aos moradores. Nas imediações da Maré, do outro lado da avenida Brasil, em 1954 foi inaugurada a Refinaria de Manguinhos. Na ocasião, estimou-se que ela seria responsável pelo fornecimento de 90% do combustível utilizado na cidade do Rio. Durante décadas, a refinaria emitiu poluentes que afetam a saúde de centenas de milhares de moradores, e impactou diretamente não só o território da Maré, mas também o de outro grande complexo de favelas da cidade: Manguinhos.
Nas palavras de Rosália Maria de Oliveira, pesquisadora da Fiocruz: “Há décadas, a situação é perigosa. Há muitos anos, o terreno é uma bomba-relógio. Isso foi causado pela obsolescência da refinaria. Em função da quantidade de compostos manuseados, jamais uma companhia desse porte poderia se localizar dentro de uma área urbana e densamente povoada.” (“Pesquisa analisa região da Refinaria de Manguinhos”. INFORME ENSP. Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. 25/02/2013)
Além da refinaria, há uma estação de esgoto, a de Alegria, inaugurada em 2009. No entanto, segundo a Carta de Saneamento da Maré – 2020, produzida pelo Data-Labe, Redes da Maré e Casa Fluminense:
As obras por saneamento básico não acompanharam o crescimento da região. Ainda que em algumas comunidades as casas estejam conectadas à rede de esgoto, essas redes não estão conectadas aos troncos coletores cuja função é conectar as redes e as estações de tratamento, com isso o esgoto é canalizado para os valões (rios extremamente poluídos por esgoto e lixo) que seguem sendo despejados na Baía de Guanabara. A realidade na maior parte das comunidades é a canalização do esgoto das casas nas galerias de água pluvial (drenagem superficial, água da chuva, lavagem das ruas), contaminando as águas das galerias subterrâneas que também fluem para a Baía. Muitas ruas possuem esgoto correndo a céu aberto. (p. 4)