A grande artéria da cidade no século XIX era a Rua do Ouvidor. Ela foi o ensaio para a introdução da modernidade europeia na cidade e as marcas das tradições e cultura francesas. Ali se concentrava uma cadeia de comércio, com lojas de moda, livrarias, cafeterias e demais negócios, incluindo as redações de jornais. A Rua do Ouvidor integrava o centro urbano do Rio junto à Rua Direita (atual 1° de Março) e o Largo do Carmo (atual Praça XV) e, desde a sua construção, a via teve vários nomes: Desvio do Mar, Rua do Gadelha, de Aleixo Manuel, do Barbalho, de Santa Cruz, da Quitanda, do padre Homem da Costa e da Sé Nova, até se tornar, por volta de 1780, Rua do Ouvidor.
Seu nome atual é uma homenagem ao Dr. Francisco Berquó da Silveira, ouvidor da comarca do Rio de Janeiro que chegou de Lisboa em 1780 e foi morar em um sobrado na rua, que até aquele momento era conhecida como “Rua do padre Homem da Costa”.
A literatura foi a que mais propagou a grandeza e suntuosidade da rua, a despeito de ser muito estreita, quase um beco. Machado de Assis e Joaquim Manuel de Macedo escreveram sobre as delícias das livrarias, cafés e confeitarias. Quando pensaram em alargá-la, Machado de Assis protestou, dizendo que a melhor delícia da largura da rua era poder tomar um café numa confeitaria e comer um doce em outra só esticando os braços. Luís Edmundo, em O Rio de Janeiro do Meu Tempo, faz um relato detalhado do que nela existia, loja por loja. Era a grande galeria a céu aberto da cidade. Intelectuais, artistas, empresários, jornalistas, todos se encontravam na via. Para Joaquim Manuel de Macedo (1963, p.9), ela era: “[…]a mais passeada e concorrida, e mais leviana, indiscreta, bisbilhoteira, esbanjadora, fútil, noveleira, poliglota e enciclopédica de todas as ruas[…]”.
No fim do século XIX o cenário da Rua do Ouvidor não só remetia a Paris, mas também à sensação de civilização e progresso. Ernst Ebel (1972, p.70), viajante alemão, apresenta a sua visão da rua: “Ao entrarmos, porém, na Rua do Ouvidor, acreditamo-nos transportados para Paris, porque nela se estabeleceram os franceses e, na verdade, com aquela elegância que lhes é peculiar”.
Além das dezenas de livrarias, alfaiates, casas de roupas feminina e masculina, cabeleireiros, tudo que era possível imaginar na Europa estava na Rua do Ouvidor, que ditava a moda, informava as novidades, atualizava o tempo nas suas vitrines e modernizava o entorno. Os nomes das lojas já indicavam a mudança de referências que se estabelecia no Rio do século XIX: Madame Dreyfus, Palais Royal, Notre Dame, Raunier, Tour Eiffel. E o público feminino ganhou com ela a liberdade de circular e mudou seu status. Antes “iaiás”, agora mademoiselles.