Os primeiros surfistas a dropar ondas em mares brasileiros não eram cariocas nem nascidos no país. Foi na Baixada Santista, na década de 1930, que o norte-americano Thomas Rittscher surfou a primeira onda no Brasil. Logo depois, foi a vez de sua irmã Margot e dos brasileiros Osmar Gonçalves e Juá Hafers, na Praia do Gonzaga. As pranchas, que eles mesmos confeccionaram para praticar o novo esporte vindo do Havaí, eram feitas de madeira e chegavam a pesar 80 kg!
O Rio de Janeiro passou a fazer parte da história do surf na década seguinte, quando soldados americanos começaram a explorar as ondas cariocas. A partir daí, surgiram os primeiros surfistas da cidade, no Arpoador dos anos 1950. Praticantes de pesca submarina (Arduíno Colassanti, Irencyr Beltrão, Paulo Preguiça e Jorge Paulo Lemann, entre outros) começaram a se destacar também sobre as pranchas de surf. O galã Arduíno Colassanti foi a primeira celebridade do esporte no país, protagonizando filmes de sucesso e namorando atrizes famosas, como Leila Diniz. Jorge Paulo Lemann, por sua vez, viria a ser um dos homens mais ricos do Brasil.
Muitos surfistas eram shapers e produziam suas próprias pranchas, entre eles Persegue, Betinho Lustosa e Walcyr. Como a oferta de pranchas de fibra de vidro era pequena, o espírito empreendedor e criativo do carioca criou o madeirite, facilitando o avanço do esporte na cidade. Irencyr Brandão usou a fábrica de um amigo na Ilha do Governador para construir pranchas com o compensado naval, mesmo material usado nas lanchas de pesca submarina. Pouco depois, uma pequena madeireira da Rua Francisco Otaviano, a Serraria Arpoador, também começou a produzir pranchas em madeirite. Elas não flutuavam direito, sendo necessário que os surfistas usassem pés de pato.
Em 1964, a revista “O Cruzeiro” anunciava o surf como a grande novidade do verão. Neste mesmo ano, o professor de Educação Física australiano Peter Troy encantou os surfistas do Arpoador com seu estilo de cortar as ondas, nunca visto no Brasil. Exibindo diversas manobras na superfície das ondas, Troy deu novos rumos ao surf nacional.
O crescimento do esporte levou à criação da Federação Carioca de Surf em 1965, mesmo ano em que foi inaugurada a primeira fábrica de pranchas de fibra de vidro da cidade, a São Conrado Surfboards. A fábrica pertencia ao coronel reformado Parreiras, improvável proprietário de uma linha de produção de pranchas de surf. Improvável porque o país vivia sob um regime militar ditatorial que via os surfistas como ativistas perigosos, ligados ao movimento hippie, ao rock e à contracultura. Popularizando-se em meio à ditadura civil-militar e surfando em ondas contrárias à repressão, o esporte passou a ser uma forma pacífica de protesto contra a situação sombria e opressiva que o país vivia. Com os surfistas “desbundados”, vieram os tropicalistas e outras tribos que se posicionavam de forma crítica ao regime político vigente. Em vez de armas, eles resistiam com pranchas, poemas e músicas.
O palco de toda essa efervescência foi o Píer de Ipanema, montado para servir de apoio à construção de um emissário submarino na faixa da praia em frente à Rua Farme de Amoedo. A areia retirada para passar a tubulação foi depositada à beira-mar, formando as famosas Dunas de Ipanema. “Dunas que escondiam a rapaziada dos olhos repressivos que vinham do calçadão. Com a mexida do fundo da areia, o mar subiu e levantou ondas perfeitas. Os surfistas vieram do Arpoador. A erva veio junto e se juntou a dos artistas que passaram a ir ver as ondas, o surf e o pôr do sol. Era uma festa.”
Entre os surfistas que batiam ponto no local estavam Rico, Daniel Friedman, Pepê, Bocão, Fedoca e Petit. Contrariando a lei da época, que proibia a prática do esporte entre 8h e 14h, eles passavam o dia todo na água. Enquanto isso, as dunas fervilhavam com a presença de alguns dos principais artistas do Brasil, incluindo Gal Costa, Caetano Veloso, Chacal, Jards Macalé, Jorge Ben, Jorge Mautner, José Wilker e Luiz Melodia. Além da galera do teatro, das letras e da música, veio o povo da psicanálise e da universidade, tudo junto e misturado.
Um dos ícones desse tempo, Rico de Souza – atleta campeão, shaper e embaixador do surf no Brasil – lançou uma marca de roupas com seu nome, precursora do surfwear. Petit e seu dragão tatuado no braço foram eternizados por Caetano Veloso na música “Menino do Rio”. Em 1977, Pepê venceu o Waimea 5000, etapa do Circuito Mundial realizada na Praia do Arpoador. Bocão foi o primeiro brasileiro a participar do tradicional campeonato de ondas grandes Eddie Aikau e um dos responsáveis pela introdução dos esportes radicais na mídia.
Bocão e Antônio Ricardo fizeram história na TV com o programa ‘Realce’, exibido pela Record em rede nacional. Tivemos a honra de gravar os depoimentos dos dois, feitos especialmente para o Rio em Movimento. Dá uma conferida nos vídeos:
Nos anos 1980, veio a explosão do esporte no país, com o apoio da mídia e a mudança da imagem do surf perante a sociedade, que passou a encará-lo como uma atividade séria e profissional. A nível internacional, o surf brasileiro está atualmente no seu melhor momento, com muitos jovens talentos a competir com a elite mundial. Assistam às incríveis manobras de Biel Garcia na Praia da Reserva neste video do Canal Off.
O destaque feminino entre os cariocas fica por conta da surfista de ondas grandes Maya Gabeira. Persistente e corajosa, depois de dois acidentes ela encarou uma onda de 20,7 metros e entrou para o Guiness Book, o livro dos recordes, como a primeira mulher a surfar uma onda ilimitada.