Autores: Anna Carolina Machado, Isabella Soares, Lara da Matta e Wanderson Romão
A Central do Brasil é uma das mais famosas estações de trem do país. A primeira construção, de 1858, inaugurou a Estrada de Ferro Dom Pedro II. A “Estação do campo” era chamada desta forma por estar situada próximo ao Campo de Santana. Com o tempo, passou a ser chamada estação da Corte, em referência à Corte Imperial. Mais à frente foi nomeada “Estação Dom Pedro II”, homenageando o Imperador.
Após a proclamação da República, o novo governo desassociou o nome da ferrovia do antigo soberano e a Estrada de Ferro Dom Pedro II foi denominada Estrada de Ferro Central do Brasil. A estação, então, passou a ser chamada Central do Brasil, ficando reconhecida internacionalmente a partir do filme, estrelado pela atriz Fernanda Montenegro na estação.
Origens da ferrovia
Em 1858 a então Estação da Corte foi aberta. O passeio inaugural tinha como destino a estação de Queimados, na Baixada Fluminense, com percurso de 47 quilômetros, e foi realizado pela família imperial. Inicialmente, a Estrada de Ferro era composta por 10 locomotivas, 40 vagões de passageiros e 100 vagões de carga.
A antiga Igreja de Santana, inaugurada em 1735 e localizada próximo ao campo que recebeu o mesmo nome (Campo de Santana), foi demolida para a construção da estação. Em 1840, o então regente do Império Marquês de Olinda considerou a velha igreja imprópria, pois acreditava que a Matriz de Santa Ana deveria ser mais majestosa, indo para um lugar mais amplo. Assim, por conta da necessidade de um terreno para a estação ferroviária que ligaria as províncias mais prósperas do Império – Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – a igreja foi demolida e, em seu lugar, foi construída Estação do Campo.
O prédio de 1858 foi reformado anos mais tarde e na década de 1930 foi demolido para a construção do prédio atual e obras de expansão do sistema ferroviário. O edifício novo foi inaugurado em 1937, com mais de 30 andares e 135 metros de altura. A fachada conta também com um dos maiores relógios de quatro faces do mundo, concluído nos anos 1940.
Atualmente, por conta de crises de segurança e desleixo por parte dos órgãos públicos, a Central Do Brasil deixou de ser um local inspirador. Porém, a história deste local continua importante, principalmente na vida de quem circula diariamente pela estação.
Atendendo os ramais de Deodoro, Japeri, Belford Roxo, Santa Cruz e Saracuruna, a Estação da Central do Brasil possibilita o transporte das pessoas, seja para o trabalho ou turismo. Dentro da estação há diversos comércios, o que possibilita, também, o sustento de muitos brasileiros que ali exercem suas funções.
Relatos Pessoais
A seguir serão relatadas algumas entrevistas que foram realizadas no dia 18/10/2021 com pessoas que trabalham ou passam pela Central1, com o objetivo de conhecermos outros olhares em relação a esse local histórico e também as diversas experiências do dia-a-dia2.
Ariel (Estudante de Gestão e Saúde):
A questão histórica da Central e o relógio do lado de fora são aspectos que chamam a atenção da entrevistada. Ela demora 1 hora dentro do trem e sente-se muito cansada com a viagem. Uma história marcante que ela presenciou dentro do trem foi uma briga que ocorreu entre os passageiros, situação que também presenciou na estação de Manguinhos.
Paulo (Gerente de lanchonete da Central):
O que chama a atenção dele é o grande fluxo de pessoas, cada um com a sua etnia e religião – o que ele considera um ponto positivo. Já pelo lado negativo, aponta a quantidade de pessoas em situação de rua que estão na maior parte do tempo na Central e não têm amparo governamental.
Paulo também acha interessante a estação ser um patrimônio cultural tombado, e ele afirma que não pode furar a parede de sua lanchonete por isso, por exemplo. Ele nos contou que o chão da Central é tombado. Disse que ali ele adquire muita experiência de vida com os jovens que trabalham no estabelecimento e com os jovens em situação de rua, como o caso de um rapaz que fica na Central pelo amparo e alimento que recebe das pessoas, pois, caso estivesse fora dali, poderia ser maltratado pelos policiais.
Durante a pandemia de Covid-19, a lanchonete que Paulo trabalha foi uma das poucas que se manteve aberta e foi nesse período que ele começou a trabalhar lá. Nos contou que antes da pandemia a Central ficava muito lotada e que, agora, às 19h já não tem mais clientes. Falou que fazia muitos salgados para vender e que atualmente não vende nem a metade. Para ele, a Central representa o “pão de cada dia” – não só dele, mas de muitos que trabalham por lá. Disse que se o patrão dele fechar as lanchonetes, muitas pessoas ficarão desempregadas.
Como gerente, nos contou o quanto é difícil demitir um funcionário. Como exemplo, disse que é fácil mandar embora um funcionário que chegou atrasado. Porém, afirmou que além de gerente, tem que ser um pouco psicólogo e compreender os problemas dos funcionários, ressaltando o quanto existem casos complicados. Concluiu com a seguinte frase: “Não é só um funcionário, tem toda uma história por trás”.
Paulo apontou para o espaço em que estava e falou que as pessoas acham que a Central “é só isso”, mas na verdade ela representa muitas histórias de vida. Relatou o quanto considera importante tratar bem as pessoas em situação de rua, inclusive para sua própria segurança. Ele nos indicou dois filmes: “Central do Brasil” e “Trash – A Esperança Vem do Lixo”.
Como experiência, relatou o quanto as pessoas não reparam nas outras. Contou o caso de uma moça que trabalha na bilheteria, não tem um braço, é muito rápida em seu trabalho., mas que ninguém repara, e como muitos clientes tratam mal esses funcionários.
Disse que o mal das pessoas é a pressa, tanto que seu chefe fala: “atenda o cliente bem e rápido”; porque são clientes que não têm tempo – ou vão antes do trabalho ou depois do expediente.
Cláudia (funcionária da SuperVia):
Cláudia conhece a história da Central e o que mais chama a atenção dela é a torre do relógio. Falou que entre as histórias marcantes que já presenciou estão pedidos de casamento bem sucedidos, mas também um “não” que resultou em uma boa relação.
Ela trabalha na Supervia há 6 anos, disse que é um pouco estressante e que lá eles presenciam de tudo, desde o pedinte até o estrangeiro que vai passear. Para ela, a Central do Brasil é de onde tira seu sustento, é o local em que recolhe experiências de vida e onde observa como somos nada e, ao mesmo tempo, somos tudo. Nos falou sobre a diversidade de pessoas que passam pela estação: do gari ao advogado, do rico ao pobre.
A entrevistada relatou que os usuários do trem acham que podem fazer de tudo, mas quando vão para o metrô, se transformam e agem com mais respeito aos outros. Falou também que ali ela vê injustiças, mas também pessoas se ajudando.
Roberto (dono de banca de jornal):
Roberto nos contou uma história que vivenciou na Central: em uma manifestação na qual jogaram gás de pimenta perto do estabelecimento em que trabalhava, ele disse que passou muito mal e que duas pessoas, querendo ajudar, compraram Coca-Cola para ver se o efeito do gás de pimenta passava. “Gás de pimenta parece que você vai morrer”, contou Roberto. O efeito do gás era tão forte que ele pensou que não ia sobreviver: “tô vivo, mas eu pensei que fosse morrer”.
Gabriella (transeunte):
Gabriella conta que a história mais marcante que viveu na Central foi quando foi confundida com uma garota de programa. Ela estava parada em um local fora da estação e não sabia que se tratava de um ponto de prostituição. A jovem teve que correr para dentro porque uma mulher a acusou de estar “roubando o ponto dela” e ameaçou esfaqueá-la. Falou que acha a estação organizada e que percebe uma grande diversidade cultural.
Isadora e Mayara (vendedoras de loja de doces):
As duas trabalham lá há muito tempo, mas não conhecem a história da Central. Elas já presenciaram assaltos, manifestações, brigas e ações violentas. Mas uma ganhou destaque na memória das duas: uma manifestação que ocorreu há quatro anos, muito violenta, que eclodiu dentro da estação.
Felipe (universitário):
O jovem conta que suas experiências na Central e suas percepções sobre as pessoas não são as melhores. Ele vende balas para ajudar a pagar a faculdade e diz: “vivi momentos inesquecíveis, mas infelizmente as cenas foram horrendas”. Ele critica a falta de fiscalização que dá margem para a criminalidade: “ladrões, dependentes químicos, estelionatários… isso aqui é horrível, tem de tudo, tem que tomar cuidado até com CPF”. Porém, apesar de falar sobre os pontos negativos, ele elogia a estrutura da Central: “um ambiente bonito, local histórico, mas infelizmente estão destruindo”.
Ao fim das entrevistas, foi emocionante perceber como as falas conversavam entre si, mesmo que as pessoas abordadas não se conhecessem. Um exemplo é o fato de que todos os entrevistados que prestavam serviços na estação se queixavam de serem constantemente invisibilizados.
Vamos tentar fazer uma reflexão, agora? Imagine que você é funcionário de um lugar com grande fluxo de pessoas, que passam apressada. Você não é enxergado, apenas seu serviço. E as suas emoções, sua saúde mental? Poucos se importam e, quando falamos “poucos”, nos referimos a menos de 2% do público ao qual você atende. Você é xingado, menosprezado, ignorado, simplesmente por impaciência alheia. Agora responda: Se sentiria bem com isso? Eis a questão.
Escolhemos a estação Central Do Brasil para reafirmarmos sua importância para o transporte público, mas também por sua história. Vimos em tal escolha a oportunidade de apresentar às pessoas diversos pontos de vista de um só lugar, e ousamos dizer que conseguimos ir muito além. Captamos emoções e energias, o que superou qualquer expectativa.
Para finalizar, gostaríamos de dizer que foi majestosa tal experiência, aprendemos muito durante as entrevistas e visita à Central do Brasil, mas também na pesquisa teórica. É uma honra participar do projeto do Rio Memórias e foi uma experiência que levaremos para a vida.
1 Os nomes dos entrevistados em questão são fictícios.
2 Fizemos as seguintes perguntas aos entrevistados: