No final do século XIX, em plena Belle Époque carioca, João do Rio, que se tornou um dos mais famosos cronistas dedicados a retratar o espaço urbano, se deu conta que as pedras que formavam a cidade não contavam histórias, somente seus habitantes. Essa constatação o fez direcionar suas impressões sobre a cidade para lugares, tipos, motes, anedotas, ditos espirituosos, tabuletas de propaganda, letreiros e vitrines. Tudo observado por homens e mulheres que vislumbraram na flânerie um modo especial de produzir narrativas urbanas.
Dizia o cronista-poeta que flanar é vagar pelas ruas com inteligência, isto é, ter um olhar crítico para o que é observado. Estas críticas alimentavam o seu desejo de entender a alma carioca. Observou que, ao perambular pela cidade, o carioca realizava um trabalho etnográfico, que redundava em uma miríade de histórias e tipos: os meninos de rua, os fumadores de ópio, as prostitutas, os vendedores de santinhos, os tatuadores, as mariposas de luxo. E a partir da descrição desses tipos desdobrou uma segunda marca dos cariocas: o amor pelas ruas. E percorrer as ruas significava descobrir coisas novas, procurar pequenos detalhes, se apaixonar por elas e entender se elas eram alegres ou tristes, conservadoras ou subversivas, caladas ou falantes, preconceituosas ou liberais, esnobes ou simples.
Escrevendo no início do século XX, João do Rio nos mostra que não é possível entender o cotidiano da cidade sem flanar por suas ruas. Para ele, o encanto do Rio de Janeiro estava nos tipos que circulavam no espaço público e na alma encantadora das ruas.