Os diversos símbolos religiosos que atravessaram o atlântico desde o século XVI, com o tráfico de africanos escravizados, se desdobraram em manifestações tipicamente brasileiras, como o Candomblé, uma religião que, de acordo com Nei Lopes – sambista e estudioso das culturas afro-brasileiras -, sintetiza os variados cultos a Orixás, Inquices, Voduns e demais entidades e tradições dos diferentes povos que chegaram ao Brasil no período colonial.
Não é possível especificar um único território onde o Candomblé tenha surgido, porque muitos rituais atualmente associados a ele têm sua origem em povos variados e que ocuparam diferentes regiões do Brasil. Entretanto, no século XIX, cidades como Salvador, Recife, São Luís e Porto Alegre estiveram mais atreladas a essas práticas. No Rio de Janeiro, a religião passou a ser difundida com o estabelecimento de uma comunidade afro-baiana, que chegou à então corte imperial a partir de meados do século XIX e fundou os primeiros terreiros de Candomblé na região que ficou conhecida como Pequena África.
As famosas tias baianas foram fundamentais para a difusão do Candomblé e de outras práticas de matriz africana na cidade. A tia Ciata, por exemplo, reconhecidamente uma das precursoras do samba carioca, foi Iaquequerê (ou Mãe Pequena) no terreiro de João Alabá, Babalorixá (ou Pai de Santo) de uma das primeiras casas de Candomblé da cidade.
As diferentes denominações, chamadas de nações – Ketu, Jeje, Nagô etc. – fazem do Candomblé um conjunto amplo de símbolos e significados que têm como um dos principais pilares a reverência à ancestralidade.
Cada casa de Candomblé possui seu próprio calendário litúrgico e os rituais variam de acordo com a nação. Mas a música, acompanhada do toque dos tambores e das vozes entoadas em coro pelos iniciados e demais participantes do terreiro, a dança e os rituais de incorporação, são aspectos fundamentais na maioria das cerimônias, sejam públicas ou fechadas.
Apesar de sua importância para a formação da identidade brasileira, o Candomblé – junto a outras tradições de origem africana – foi alvo de forte repressão, mesmo após a abolição (1888). A constante associação de seus adeptos a práticas malignas estimulou o racismo religioso e, ainda que a instituição da Umbanda, em 1908, tenha auxiliado na diminuição do preconceito, ela não foi suficiente para retirar essas as religiões da marginalização. O Candomblé resiste ao tempo, graças às comunidades de terreiro e a despeito de toda a violência praticada contra o povo do Axé1.
1 “Povo do Axé” é como os adeptos das religiões de matriz africana também são conhecidos.