O Maracanã talvez tenha sido a maior encarnação, ao lado das praias, de certo mito de convívio cordial, ao mesmo tempo sórdido e afetuoso, da cidade do Rio de Janeiro. O estádio foi pensado, em 1950, para ser frequentado por torcedores de todas as classes sociais, mas não de forma igualitária. Ele foi espacialmente dividido, como se cada torcedor tivesse que saber qual é a sua posição na sociedade: os mais pobres na geral, a classe média nas arquibancadas, os mais remediados nas cadeiras azuis e os mais remediados ainda em suas cadeiras cativas.
Esta fabulação de espaço democrático que era o antigo Maracanã, todavia, ainda permitia duas coisas que nos faziam acreditar em uma cidade menos injusta: a crença num modelo de coesão cordato, em que as diferenças se evidenciavam no espaço, mas se diluíam em certo imaginário de amor pelo futebol; e a possibilidade de invenção de afetos e sociabilidades dentro do que havia de mais precário. A geral – o precário provisório – acabava sendo o local em que as soluções mais inusitadas e originais sobre como torcer surgiam.
Sendo o Estádio Jornalista Mario Filho erguido no chão das velhas aldeias, cortado pelas águas que descem do maciço da Tijuca e espelhado pelas águas da Baía de Guanabara, o templo do futebol jamais será um espaço meramente funcional em que se reduz ao lugar onde partidas de futebol são disputadas. Em outras palavras, o que queremos dizer é que na medida em que as mais diversas almas dessa cidade praticam o “Maraca” ele se faz como um tempo e espaço ritual.
Não é somente porque o palco de futebol mais famoso do planeta aconchegou a pisada firme do preto-velho que baixou na gira, rezou o credo com o Papa e acompanhou gerações de crianças tendo piripaques esperando o bom velhinho descer de helicóptero em pleno gramado. O estádio do Maracanã foi e continua inspirando infinitos enredos. Por lá bailam os corpos bons de drible e os de tranco, as alegrias miúdas e as frustrações épicas, as estrelas demasiadamente humanas e os comuns encantados.
Se a fezinha que se faz por ali fosse direcionada para outras apostas todas as bancas dessa cidade já estariam quebradas. O Maracanã carrega um dos principais traços do povo do lugar: somos do jogo, da ginga e da fé.
O Maraca de muitos já não existe mais. Pode ser que muita coisa mude ainda para pior ou não; essa é uma questão de ponto de pista que o VAR não pode revisar. A questão é que nas giras de mata, rio, baía, arquibancada, campinhos de pelada, botequim, quintais ou mesmo na sala de casa haverá alguém que vibre alto e firme o ponto de passagem para uma das mais belas entidades desse nosso terreiro carioca.