O Carnaval do Rio não se resume ao desfile das escolas de samba, como prova a algazarra de batuques, cantos, passos, caminhões-pipa e muita conversa alta que enche grande parte das vias. A folia carioca começou nas ruas e nunca saiu de lá.
Os primeiros registros de blocos carnavalescos na cidade remetem a meados do século XIX. Eram essencialmente grupos anárquicos de foliões, que saíam às ruas de forma indistinta. No começo do século seguinte, porém, certos traços de organização começaram a dar ritmo à bagunça libertária dos primeiros blocos e cordões. Foram tempos de segmentar a folia. Grandes sociedades carnavalescas e ranchos faziam desfiles mais organizados. Cordões eram a síntese da confusão e da farra desmedida. Os blocos, por sua vez, ficavam no meio do caminho entre um e outro.
Antigos blocos, como Cacique de Ramos e Bafo da Onça, até hoje integram os tradicionais desfiles pelo centro do Rio, assim como outros grupos tradicionalíssimos — caso do Cordão do Bola Preta. Outros acabaram sendo ancestrais de escolas de samba, como o Baianinhas de Osvaldo Cruz, considerado precursor da Portela.
Durante certo tempo, o gosto pelos blocos arrefeceu. Mas, na última década, com a retomada do Carnaval de rua do Rio, os blocos se multiplicaram e voltaram a tomar a cidade, com seu jeito maroto, multifacetado, imprevisível.
É o que reiteram os blocos e cordões que ainda hoje seguem, na cartografia inventada e reinventada da cidade, o fio da tradição. Os nomes já dão pistas da gaiatice que resume seu espírito: “Loucura Suburbana”, “Orquestra Voadora”, “Amigos da Onça”, “Cordão do Boitatá”, “Céu na Terra”, “Prata Preta” e tantos outros. Assim como as histórias e causos que lhes deram origem, espelham a irreverência, marca registrada da festa.
O “Bloco das Carmelitas”, por exemplo, teria surgido por volta de 1990, quando um grupo de peladeiros que batia uma bolinha onde hoje é o Parque das Ruínas, em Santa Teresa, viu uma freira pular o muro do convento para brincar o Carnaval. Já outros blocos optam por ostentar a relação de seus nomes com a história da cidade, como é o caso do “Escravos da Mauá” – título que remete aos mercados de escravizados dos séculos XVIII e XIX, que ficavam nas ruas do bairro da Saúde, nas proximidades da praça Mauá e do morro da Conceição.
Isso sem contar aqueles blocos que, de tão tradicionais, viveram para contar a história da cidade, como o centenário Cordão do Bola Preta, fundado em 1918. Também é o caso dos mais de 80 anos de vida dos “bate-bolas”, conhecidos como “clóvis” – uma corruptela do inglês clowns –, que remontam à festa da Folia de Reis. Os clóvis misturam farra e terror, causando fascinação e medo por onde passam.
Cada rua, de cada região, traz consigo um conjunto variado de sons, e cada um desses sons conta uma parte do espírito do Carnaval no Rio de Janeiro. Diversos na sua origem, os blocos de rua não se resumem a um padrão único e nem seguem o mesmo roteiro. Pelo contrário: o cardápio de gêneros atende a público variado. Vai do samba ao sertanejo, passando pelo funk, forró e maracatu. Tem bloco que até se mete a tocar rock. E, se alguns deles são populares a ponto de arrastar multidões, outros têm uma pegada mais intimista, mudam de nome a cada ano e não divulgam o horário nem o local de saída do cortejo.
Mas, se acontecer de, em algum ano, o bloco esperado não sair, não tem problema. Basta criar um novo. Foi assim, por exemplo, que, em 2006, o Cordão do Boitatá deu origem ao Cordão do Boi Tolo, conhecido como o bloco “que não termina nunca”, por conta das longas horas que passa desfilando pelas ruas da cidade.