Quem se contagia com a exuberância dos carros alegóricos, as danças dos mestres-salas e porta-bandeiras, as cores das fantasias, a harmonia dos passistas e o ritmo das baterias, talvez não imagine que a trilha sonora de uma escola de samba começa muito antes de sua passagem pela avenida. Muitos meses antes de o apito do mestre sinalizar o tempo certo para o esquenta, o cotidiano de uma escola de samba já está habitado pelas batidas dos martelos, o chiado de soldas e o ruído de serrotes, furadeiras e serras elétricas. O ritmo nos barracões é frenético e cheio de sons de bastidores que, ao longo de todo o ano, produzem as formas e cores que amplificam a energia e a vitalidade dos desfiles pelo Sambódromo.
Desde 1928, quando Ismael Silva fundou a Deixa Falar, no Estácio, primeira escola de samba do Rio, esses ateliês foram improvisados nos quintais das casas, terrenos abandonados, galpões emprestados ou mesmo sob vãos de pontes e viadutos. Isso até 2005, quando as escolas receberam da prefeitura do Rio de Janeiro um espaço no bairro Santo Cristo, antiga zona portuária, para a construção e acomodação de seus adereços e alegorias.
O nome escolhido não poderia ser mais adequado: Cidade do Samba. É este o complexo que abriga toda a potência artística que no próximo ano irá embelezar o espetáculo das escolas do Grupo Especial, como Acadêmicos do Salgueiro, Beija-Flor de Nilópolis, Portela, Unidos de Vila Isabel, Estação Primeira de Mangueira, entre outras tantas.
A tradição de carros alegóricos vem das chamadas “grandes sociedades”, que era o ponto alto do carnaval de rua do Rio de Janeiro, da década de 1850 até a de 1950. Nessas agremiações, a confecção de carros e de alegorias era feita por artistas da própria comunidade. Além disso, tinham seu clímax num grande desfile, como seguiu acontecendo com as escolas de samba.
O Congresso das Sumidades Carnavalescas, em 1855, é considerado o primeiro, mas exemplos de importantes sociedades eram: Os Tenentes do Diabo, que surgiu em 1855; os Democráticos Carnavalescos, de 1867, que até hoje possui uma sede na rua do Riachuelo; e o Clube dos Fenianos, criado em 1869.
Os ranchos carnavalescos também foram uma espécie de precursores das atuais escolas de samba – eles surgiram no final do século XIX como associações que promoviam cortejos durante o Carnaval. Eram considerados pequenos, em contraponto às grandes associações. Seus desfiles eram embalados por marchas de andamento mais lento que os sambas de hoje. O exemplo mais significativo é Ó Abre Alas, composto por Chiquinha Gonzaga. O rei e a rainha eram figuras centrais nos ranchos, assim como o estandarte, de papel similar ao da porta-bandeira nas atuais escolas de samba.
O principal rancho carioca foi o Ameno Resedá, com sede no Catete, que existiu de 1907 até 1943 e se auto denominava “rancho-escola”. Em 1911, foi organizada a primeira competição oficial de ranchos, patrocinada pelo Jornal do Brasil. O último desfile oficial foi na década de 1980.